José António Rosa Dias Bravo

1935 - 2003

UMA VIDA DEDICADA À JUSTIÇA DE DEUS E DOS HOMENS

O Senhor, na Sua Magnificente Vontade, chamou para a Sua Casa, a «Casa do Pai», o nosso mui Amado Irmão José António Rosa Dias Bravo, no dia 05 de Novembro de 2003.

Nasceu em 26 de Março de 1935 e em 1957 nasceu de novo, crendo no Senhor Jesus Cristo, como Seu Salvador e Senhor, a Quem sempre honraria e serviria até ao fim da sua vida terrena.

Ainda com doze anos de idade desafiou o padre da escola a conferir os Dez Mandamentos no capítulo 20 do livro de Êxodo. O prior não gostou e começou o ciclo de expulsões das aulas de religião e moral católica. As boas notas e o facto de ser Prémio Nacional naquele ano evitaram a reprovação.

Acompanhou Luís Paiva na evangelização do Concelho de Sintra.
Pregou em mercearias e cafés, falou com pessoas, ofereceu folhetos e Bíblias.
Pagou o preço do pioneirismo e foi apedrejado por uma multidão enfurecida e instigada pelo pároco local.

Aos 16 anos pregou pela primeira vez numa igreja, na rua Maria Pia, em Lisboa. Foi abordado pela P.I.D.E. por distribuir folhetos evangelísticos. Os agentes da polícia de Salazar apreenderam tudo, mas no dia seguinte voltou a fazer o mesmo . Cumpriu o serviço militar durante cinco anos (com interrupções) e em 1967 foi destacado pelo exército português para a Guiné-Bissau como Capitão. Visitou crentes africanos e foi o primeiro militar crente a realizar um funeral evangélico, ajudando a desmistificar a ideia que o obscurantismo da época criara de que os "protestantes" eram anti-patriotas.

Ancião na Igreja Evangélica (Casa de Oração) nas Amoreiras, em Lisboa, foi Presidente da Direcção da Comunhão das Igrejas dos Irmãos em Portugal (CIIP) em dois mandatos sucessivos, de 1996 a 2000. Foi Presidente da Aliança Evangélica, da Sociedade Bíblica Portuguesa e membro de corpos gerentes de diversas organizações para-eclesiásticas.

A comunidade evangélica prestou-lhe diversas homenagens de reconhecimento pela obra que fez pela mesma, na defesa dos direitos dos cristãos perante as autoridades, sendo reconhecido por todos os quadrantes ideológicos, políticos, religiosos e da Magistratura, da qual fazia parte, pela sua elevação, respeito, pela fidelidade ao Senhor e à Sua Palavra, dando testemunho da sua fé em Cristo Jesus em todo o lugar e em todo o momento. Foi o primeiro magistrado português a abordar juridicamente a situação dos transexuais. Foi agraciado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz de Cristo.

Foi Magistrado Judicial e do Ministério Público, Vice-Procurador Geral da República e atingiu a posição mais elevada na Magistratura Portuguesa, como Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal da Justiça em 1993.

O seu testemunho ficou registado no dia 21 de Janeiro de 2001, quando num almoço que reuniu cerca de duzentas e cinquenta pessoas, no Parque das Nações em Lisboa, a propósito dos altos serviços prestados à Nação enquanto Vice-Procurador-geral da República e à comunidade evangélica, proferiu as seguintes palavras:

    "Foi aos doze anos de idade, na aprazível cidade de Portalegre, que José Régio cantou excelentemente nos seus poemas, que aceitei Jesus como meu Salvador.

     Vindo da Igreja Católica, frequentando a catequese, entrei pela primeira vez numa Igreja Evangélica para ouvir um dos pioneiros da fé evangélica em Portugal - José Ilídio Freire.

     Ao desafio final feito pelo pregador: fugir de Deus ou correr para Deus, respondi afirmativamente.

     E eis-me então no início de uma caminhada, com imensos escolhos, mas também repleta de momentos felizes e bênçãos.

     Eram tempos difíceis esses. Época de obscurantismo, de cerceamento das liberdades, pesava ser-se protestante num país de grande tradição católica. Por quê deixar a religião tradicional dos nossos pais? Porquê ser protestante? Interrogações que me eram feitas a cada passo e cujas respostas explicativas geravam um mundo de incompreensão.

    Ainda na Universidade, conhecido mestre me convidava a deixar de ser protestante para poder triunfar.

    Já formado, à procura de emprego, a primeira questão que me foi posta foi a de saber qual a religião que professava, sendo logo recusado, por protestante. Jovem, com sonhos, um familiar me aconselhou: 'Se vais por aí- a fé evangélica, não irás a lugar nenhum'.

    Já Magistrado, pessoa de relevo me referia: 'Não fora protestante e eu o convidaria para este lugar'.

    Apedrejado por distribuir literatura, que continha a mensagem evangélica, encontrando a polícia política pela mesma razão - o desafio era permanente.

    Todavia, a minha confiança em Deus ficou firme.Sempre confiei que o Senhor dos tempos, dos espaços e da História, em Quem cria profundamente e de Quem tudo esperava, me guardaria em todas as circunstâncias.

    A verdade hoje é que, olhando para o passado, acabo por concluir que até ao dia presente o meu Deus e Senhor não me deixou, nem desamparou. Sempre senti a presença de Deus nos meus caminhos, sempre a Sua Mão me guardou de todo o mal.

    'Novas são em cada manhã as misericórdias do Senhor. Bom é para os que se atêm a Ele - esta a palavra da Escritura Sagrada, em Lamentações de Jeremias 3:22, que sempre constituiu para mim fonte inspiradora de bênçãos, incentivo estimulante para prosseguir, motivo bastante para, na humildade do limitado, partir em demanda do impossível.

    Novos empreendimentos se colocam no meu caminho.
    Mas a fé e a esperança continuam ainda as mesmas no Deus que tudo dá e nunca falha.

    Afinal, posso dizer com convicção: 'Vale a pena entregar a Deus a nossa vida! Só assim ela tem sentido e significado.

     Só deste modo vale a pena viver!'"

Sim, o nosso mui Amado Irmão Dr. Dias Bravo provou pelas suas palavras e pela sua vida como valeu a pena entregar ao Senhor a sua vida. E o Senhor honrou-o nesta terra. Chamado à eternidade, para junto do Senhor, agora desfruta de todas as bem-aventuranças e de todas as riquezas celestiais guardadas para aqueles que servem ao Senhor de corpo, alma e espírito.

Resta-nos a alegria e a certeza de saber que um dia nos encontraremos com ele "na Casa do Pai", segundo as suas próprias palavras proferidas no Dia do Evangélico, realizado em 25 de Outubro de 2003, em Lisboa, onde mais uma vez a comunidade evangélica prestou-lhe o devido reconhecimento e gratidão pelo seu abnegado serviço e pelo seu exemplo como filho de Deus.

Os anais da história dos evangélicos em Portugal ficarão marcados pelo serviço abnegado do Irmão Dr. Dias Bravo. Agradecemos e louvamos ao Senhor por ter abençoado, dotado e usado este seu servo para a Honra do Seu Grandioso Nome. Magnificamos o nosso Deus por nos ter dado o privilégio de presenciar, entre nós, um herói da fé do nosso tempo. Apresentamos à Sua Esposa, D. Sara Bravo os nossos sentidos pêsames, orando para que o Senhor a continue a fortalecer e a cumule com as Suas Preciosas Bênçãos.

- Joel Timóteo Ramos Pereira. In Refrigerio 95

PARA A GLÓRIA ETERNA

Foi na madrugada do dia cinco de Novembro, que o Senhor da Glória chamou à sua bendita presença, o nosso amado irmão José Dias Bravo. Personalidade carismática no meio Evangélico em Portugal, era oriundo das lindas terras Alentejanas, migrou para Lisboa, onde se formou, chegando a Magistrado, notabilizou-se como sua Excelência Senhor Dr. José Dias Bravo, chegando desempenhar por alguns anos o cargo de Vice-Procurador-Geral da República. Nesta função ganhou com mérito, reconhecimento e admiração do meio político e social, pela forma honesta e sincera com que desempenhava as suas funções, era admirado e respeitado nos mais altos quadrantes da magistratura, da classe política e sociedade portuguesa. Facto notório no dia do seu funeral como mais à frente irei falar.

Na sua vida em Lisboa, conheceu e aceitou como seu único e suficiente Salvador a pessoa bendita do Senhor Jesus, pelo que entrou no meio Evangélico em Portugal, do qual tornou um baluarte e um acérrimo defensor dos seus direitos e liberdades cristãs, foi um autêntico móbil dinamizador da fé na pessoa do Seu Salvador, o qual não se cansava de pregar e proclamar (lembro-me da sua passagem favorita, que ele sempre lia e comentava nos dias de Santa Ceia conjunta da Comunhão das Igrejas de Irmãos-sul, na Igreja Evangélica das Amoreiras, Filipenses cap. 2 versículos 5 a 11 e com que amor e emoção ele falava do Seu Senhor a que foi dado um Nome que é sobre todo o Nome, para que ao seu Nome se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, na terra e debaixo da terra), foi um servo fiel e consagrado.

Na Igreja Evangélica das Amoreiras em Lisboa era uma figura de referência, foi dos principais impulsionadores da unidade das Igrejas dos Irmãos em Portugal. Juntamente com outros irmãos na fé, fundou Comunhão de Igrejas de Irmãos em Portugal (C.I.I.P.) da qual foi algumas vezes Presidente da Direcção e da Mesa da Assembleia Geral, mas o desempenho mais importante a nível Evangélico, foi como Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa, neste cargo alcançou o respeito das classes políticas, religiosas e sociais do país, para com as Igrejas Evangélicas em Portugal, por esse motivo foi lhe atribuído por unanimidade, o título de Presidente honorário da Instituição a quem tanto se dedicou. Foi este homem de personalidade bem vincada e de uma humildade notável que o caracterizou perante todos os que tiveram oportunidade e o privilégio de conviver com ele, que o Deus Eterno quis recompensar, chamando-o à sua gloriosa presença, para lhe conceder o galardão pela sua batalha incansável pela fé no Salvador, Jesus, o Cristo. Deixem-me aplicar aqui, como homenagem ao nosso querido irmão pelos últimos dias difíceis que passou as palavras do apóstolo Paulo. “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé, desde agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia e não somente a mim, mas a todos quantos amarem a sua vinda” (II Tim.4.7-8).

Na quarta-feira (5/11/2003) à noite, durante o velório, foram muitas as personalidades, sociais, religiosas e políticas, que passaram perante corpo do querido irmão Dr. José Dias Bravo, como por exemplo, os seus amigos e companheiros de profissão. O Exmo. Sr. Dr. Cunha Rodrigues (Antigo Procurador Geral da República), o ex- ministro da justiça, Exmo. Sr. Dr. Vera Jardim e alguns representantes do Governo para prestarem uma última homenagem. Nesse tempo, o irmão Orlando Luz fez uma curta pregação da Palavra do Senhor. A Casa de Oração das Amoreiras esteve sempre cheia daqueles que com reconhecimento e amor queriam ver uma última vez o seu companheiro amigo e irmão na fé.

Na quinta feira (6/11/2003), cedo começou a afluência de muitos à Casa do Senhor, para prestar a última homenagem, a casa do Senhor encheu-se de tal forma, que muitos foram, os que tiveram de vir para a rua sem poder chegar junto do corpo presente; eu fui um deles e pude ver com emoção, um constante rodopio de tentativas de pessoas tentar entrar e sair da casa de Oração para chegarem até perto do corpo daquele que até à dias havia sido seu companheiro e amigo. Neste ínterim, pude ver altas individualidades da vida social, religiosa e da política portuguesa.

O meio evangélico esteve mui representado, desde os mais destacáveis aos mais simples, todos queriam demonstrar o seu reconhecimento e amor fraternal pelo seu amado irmão, que já havia subido à presença do Seu Salvador, mas o seu corpo permanecia entre nós por mais um pouco de tempo. Nas exéquias fúnebres, o presidente da Aliança Evangélica, o presidente da Comunhão de Igrejas de Irmãos no sul, o coordenador da Comissão Missionária usaram da palavra para fazer o elogio merecido ao fiel servo do Senhor, depois a mensagem, foi entregue pelo pastor Augusto Esperança (antigo presidente d Sociedade Bíblica Portuguesa), durante este espaço, foram ficando à porta todos os que chegavam, pois já não cabiam na casa de oração por se ter tornado pequena, para receber a todos. Já no cemitério de Benfica, na ultima despedida os irmãos Orlando Luz e Manuel Ribeiro usaram da palavra na oração e na mensagem do Senhor, para todos os presentes. Enquanto o corpo do amado irmão (já na glória) era entregue ao pó muitos começaram a sair do cemitério, e foi ao sair que pude ver ainda dois queridos irmãos que vieram do norte (entre os muitos da Comunhão de Igrejas de Irmãos do Norte e das Igrejas da Corporação do Centro que estiveram presentes), Samuel Pereira e Joel Timóteo Pereira, que devido ao trânsito não tinham conseguido chegar a horas. Eu continuei a sair e eles caminharam em direcção ao local onde o corpo do querido irmão ficara sepultado para lhe prestar a última homenagem.

Antes de terminar gostaria de chamar atenção de todos os irmãos, da responsabilidade que ficou sobre todos nós, a sua querida esposa (viúva) a nossa querida irmã Sara, agora está só e precisa de todo o nosso conforto, amor, carinho e cuidado, porque o seu esposo, amigo e companheiro já não está cá para a poder ajudar nas horas difíceis; as nossas orações ao Trono da Graça pela nossa irmã são como bálsamo suave e refrescante.

Não foi minha intenção nomear ou omitir alguém, o meu propósito é referir a forma como todos, irmãos na fé, amigos, colegas, companheiros de profissão, autoridades religiosas e políticas demonstraram o reconhecimento e mérito desse grande homem; O Meritíssimo Sr. Dr. Juiz Conselheiro José Dias Bravo, filho de Deus e nosso irmão, pela fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

- Vítor Encarnação, In Refrigério n.º 95

TESTEMUNHOS

De Nuno Guerreiro, Blog "Rua da Judiaria" (link)

«Soube ontem, por mero acaso, da morte de José Dias Bravo, faz agora dois meses. Não tenho jeito nenhum para necrologias, confesso, mas senti que tinha de escrever pelo menos umas breves linhas.

Jurista, Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Vice-Procurador Geral da República e presidente da Aliança Evangélica, Dias Bravo foi uma figura fundamental para a definição do protestantismo português do século XX. Perseguido pela PIDE desde os 16 anos por distribuir Bíblias e folhetos religiosos não católicos, lutou desde cedo contra a hegemonia religiosa nacional e a intolerância por outras igrejas e religiões, características que durante séculos marcaram o nosso país.

A sua biografia oficial, no site da AE, conta que aos 12 anos foi expulso inúmeras vezes das aulas de Religião e Moral, por desafiar abertamente o padre-professor, citando escrituras e contrapondo as doutrinas que devia aprender. Como magistrado e presidente da Aliança Evangélica, anos mais tarde, seria um dos responsáveis pela gradual mudança da imagem das igrejas protestantes em Portugal.

Pessoalmente, conheci-o em 1994, na Procuradoria, andava eu, jornalista novato, a tentar especializar-me a escrever sobre religião. Na altura, procurei os comentários e conselhos de Dias Bravo para várias peças e reportagens. Na sua bondade natural e infinita paciência, esteve sempre disponível. Pelo meio foi-me contando histórias do seu protestantismo, da sua fé.

Nos últimos anos da sua vida, já reformado, Dias Bravo dedicou-se a viajar pelo mundo, conheceu os meus tios numa visita a Israel e ficou amigo da família. Com ele aprendi os pontos de contacto existentes entre as experiências dos protestantes e dos judeus portugueses. Ensinou-me também que os preconceitos, fobias e ódios dos outros podem ser gradualmente vencidos, nunca na mesma moeda, mas através do exemplo de homens como ele. José Dias Bravo foi verdadeiramente um hasidei umot ha’olam».


Dias Bravo: O Magistrado da Liberdade Religiosa
Dias Bravo, ex-vice-procurador-geral da República e actual juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), faleceu ontem em Lisboa, vítima de um cancro. Tinha 68 anos.
Nos meandros da justiça, a par da sua reconhecida competência, destacou-se, sobretudo, nos seis anos de mandato ao lado de Cunha Rodrigues, na Procuradoria-Geral da República.
Mas não foi apenas um eminente magistrado do Ministério Público, cuja carreira estava agora no auge enquanto juiz conselheiro do STJ onde presidia à 3.ª secção criminal. O seu nome vai ficar inscrito também na história como um dos homens que mais lutou pela liberdade Religiosa em Portugal. Graças ao seu contributo, as várias confissões começaram a ter direitos idênticos da Igreja Católica, em vários âmbitos, designadamente no que respeita ao reconhecimento jurídico. Também a ele ficará ligada a aprovação no nosso País de uma lei de liberdade religiosa, que consagra a igualdade de direitos entre as várias igrejas, aprovada pelo Parlamento em Junho de 2001. Dias Bravo fundou e liderou a Aliança Evangélica Portuguesa, e era actualmente o seu presidente honorário. Parte deste mundo sem que a lei que ajudou a criar, há dois anos, esteja regulamentada.
In Diário de Notícias, 6.11.2003

 

Textos da autoria de Dr. José Dias Bravo