1.2. A origem do movimento de «Irmãos» - um segundo relato

 
História do chamado movimento de «Irmãos»

Fonte

Texto: Carlos Alves
In Refrigério n.º 47 a 50

1. DESPERTAMENTO ESPIRITUAL


Nicolaus Ludwig


Jonathan Edwards

No ano de 1719, um jovem da Saxónia, chamado Nicolaus Ludwig (conde de Zinzendorf), visitou a Galeria de Arte da cidade de Dusseldorf e ficou impressionado com um quadro pintado por Domenico Feti. Era uma pintura de Cristo crucificado, com o Seu rosto ensanguentado pela coroa de espinhos e com a seguinte inscrição: "Tudo isto fiz por ti; que fazes Tu por Mim?".

Este jovem de 19 anos saiu dali disposto a consagrar a sua vida Aquele que assim sofrera por Ele. Em 1722 deu asilo nas suas terras de Berthelsdorf, a um grupo de refugiados moravianos. Estes descendiam do movimento Unitas Fratrum (Unidade dos Irmãos), criado por João HUSS, cem anos antes de Lutero, e que foi levado à fogueira. Assim, o Conde de Zinzendorf protegeu-os e tomou-se seu líder. Passaram a denominar-se por Herrnhut ("O redil do Senhor").

Em 12 de Janeiro de 1723, Jonathan Edwards, com 20 anos de idade fez este voto ao Senhor: 'Dou-me a mim mesmo e tudo o que tenho a Deus. Para o futuro não actuarei como se tivesse direitos. Solenemente tomarei a Deus por minha porção e felicidade. Suas leis serão a regra da minha conduta. Lutarei contra o mundo, a carne e o diabo até ao fim da minha vida".

Começou a pregar a necessidade de uma verdadeira experiência pessoal de conversão. No ano de 1734, na cidade de Northampton, Mass., as pessoas começaram a responder, com profunda emoção e lágrimas, dando graças a Deus pelo perdão alcançado.

Este despertamento varreu toda aquela região, estendeu-se até Connecticut, e muitos pastores e igrejas foram verdadeiramente influenciadas por este despertamento.


John Wesley

George Whitefield

Em 1735 ia a bordo do navio Simmonds para a Geórgia, um jovem clérigo anglicano para pastorear uma igreja em Savannah. Levantou-se uma tempestade e o mastro maior quebrou-se. Fez-se pânico entre toda a tripulação, mas, felizmente, ia ali um pequeno grupo de moravianos que, cheios de paz cantavam hinos de gratidão a Deus. Este jovem ficou impressionado, e ao chegarem á América, interrogou um deles, de nome Spangenberg, o qual fez-he as seguintes perguntas: "Meu irmão, tens o testemunho dentro de ti?" Dá testemunho o Espírito de Deus e o teu espírito de que és um filho de Deus?" Conheces a Jesus Cristo, sabes que Ele te salvou, tens a esperança de que Ele morreu para te salvar?"

O jovem clérigo, que não era outro senão John Wesley, ficou muito pensativo e perturbado, pois reconhecia no seu íntimo que não possuía aquela certeza de vida eterna. As coisas não lhe correram bem e regressou a Inglaterra. Finalmente, em 24 de Janeiro de 1738, com 35 anos de idade, teve a experiência que mudou a sua vida. Ele mesmo a descreve no seu diário: "A noite, fui de má vontade à Rua Aldersgate, onde alguém lia o prefácio de Lutero à epístola aos Romanos. Ao faltar um quarto para as nove, enquanto ele descrevia a mudança que Deus opera no coração mediante a fé em Cristo, senti em meu coração um ardor estranho. Senti que confiava em Cristo, e somente Nele, para minha salvação e me foi dada a certeza de que Ele havia resgatado os meus pecados, e me salvou da lei do pecado e da morte."

A partir de então, nunca mais duvidou da sua salvação. Começou com George Whitefield a pregar ao ar-livre e milhares de almas se converteram. Todo o seu trabalho é bem conhecido no mundo cristão e seus seguidores tomaram o nome de metodistas.

2. MISSÕES

Foi ainda no séc. XVIII que apareceram as primeiras Sociedades Missionárias. No ano de 1792, foi criada a Sociedade Missionária Baptista, por influência de William Carey, tornando-se este o seu primeiro missionário, ao partir para a Índia em 1794.

Em 1795, fundou-se a Sociedade Missionária de Londres (LMS), com a cooperação das Igrejas Metodistas, Presbiterianas e Congregacionais.

Em 1799, surgiu a Sociedade Missionária da Igreja (CMS), pela ala mais evangélica da Igreja Anglicana.

Já no séc. XIX, em 1804, foi criada a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, com o propósito de editar Bíblias, Novos Testamentos e porções em diversas línguas. A partir de então, muitas mais Sociedades Missionárias foram criadas, quer na Europa, quer nos E.U.A..

3. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E POLÍTICA

A revolução industrial começou na Inglaterra, durante o reinado de Jorge III (1760-1820) e levou a um aumento dramático da produção de carvão, ferro e máquinas. Começou a era das invenções, com a criação das máquinas de fiar o algodão, a vapor por James Watts, dos primeiros comboios, pontes de ferro, etc.

No aspecto político, a liderança das explorações ultramarinas passou de Portugal e Espanha para a França, Inglaterra e Holanda. A Europa do Norte tomou a liderança do mundo. Dá-se em 1776 a independência dos EUA; a revolução francesa, de 1789-95; as guerras napoleónicas (1796-1815); a abolição da escravatura na Inglaterra em 1807; a unificação da Itália (1860), e a unificação da Alemanha, por Bismarck em 1880.

4. EXPLOSÃO NAS COMUNICAÇÕES E TRANSPORTES

A revolução industrial tirou milhares de pessoas dos campos para as cidades. Estas passaram de pequenos burgos, à volta de um castelo, a grandes metrópoles. Lugares montanhosos e inóspitos, tornaram-se rapidamente, e devido ao seu subsolo mineral, em grandes cidades. Também multidões de gente jovem emigra para os novos países, saído das ex-colónias.

O motor trouxe melhores transportes, e mais rápidos. Faraday descobre em 1831 o motor eléctrico e o dínamo. Em 1833, Swan e Edison criam uma empresa para o fabrico de lâmpadas. Em 1876, Bell inventa o telefone. Em 1885, Benz apresenta o seu automóvel. George Eastman inventa em 1888 a sua máquina fotográfica Kodak e Lumière, em 1895, o seu primeiro filme.

Tudo isto veio transformar e revolucionar o modo de viver do homem. Mesmo no campo da saúde, lembremos que Simpson descobre o clorofórmio em 1847. A Igreja daquele tempo, na Escócia, opunha-se à aplicação do mesmo, mas a rainha Vitória usou-o, em dois dos seus partos, com bastante êxito, e isto mudou a opinião dos clérigos. Florence Nightingale cria a enfermagem e nasce assim a Cruz Vermelha. Pasteur (1822-1885), com o invento alcança uma grande vitória contra os germes, destruindo-os com o aquecimento dos líquidos a uma temperatura de 60º C.

5. O NASCIMENTO DO MOVIMENTO DE «IRMÃOS»

Com todo este desenvolvimento, principalmente na Europa, muitos sentem-se descontentes com a frieza, o ritualismo e a falta de vida espiritual do cristianismo daquele tempo. As Igrejas existentes estavam cheias de formalismo, e os clérigos na sua maioria não eram bons exemplos. Os leigos tinham agora a possibilidade de examinarem as Escrituras. E muitos sentiam a falta de alimento espiritual nas suas Igrejas. Estes ansiavam por uma caminhada mais íntima com o Senhor. Ao lerem as Escrituras, iam ficando impressionados com a sua importância, não só no que respeita à salvação comum, como também à conduta e ao testemunho de cada crente.

Assim, entre 1825-30, quase espontaneamente, nas cidades de Plymouth, Bristol e Londres, na Inglaterra, e na cidade de Dublin (Irlanda), aparecem os primeiros irmãos a reunirem-se em pequenos grupos, para estudarem e meditarem nos ensinos bíblicos para a Igreja. E à medida que aprofundam, mais impressionados ficam ao descobrir a sua simplicidade e a preciosidade das Igrejas do N.T.. Logo procuram reunir-se com a mesma simplicidade e ensinarem as verdades redescobertas, tais como: a verdadeira natureza da Igreja; a posição do crente em Cristo; o sacerdócio de todo o crente, a Segunda Vinda do Senhor e o Seu Reino Milenal na Terra.

6. PORTUGAL NOS SÉCULOS XVIII e XIX

Quando em 1640 Portugal restaura a sua independência do jugo castelhano, entre a maioria do povo passa a existir uma nova esperança. O Pe. António Vieira notabiliza-se pelos seus sermões, tendo o rei D.João IV o enviado para junto de algumas nações amigas para ali estabelecer alianças. João Ferreira de Almeida traduz a Bíblia para a nossa língua, em Batávia, nas Ilhas Holandesas, mas esta, por muitos anos, é praticamente desconhecida no nosso país devido à Inquisição que existia desde D.João III, em 1547.

Oportunidades perdidas...
D. José começa a reinar em 1750 e logo em 1755 dá-se o terrível terremoto sobre Lisboa. O Mq. Pombal empreende uma vasta e admirável obra de reconstrução. O Pe.António Figueiredo traduz a Bíblia, mas infelizmente, são poucos portugueses que têm acesso à sua leitura.
Morre D.José e sobe ao poder sua filha D.Maria I, de 1777 a 1792, altura em que é declarada oficialmente louca. O Mq. Pombal é submetido a julgamento, num processo doloroso, cujas sessões chegam a durar 8h seguidas. Finalmente é deposto e exilado. Na regência de D.João, em 1799, prenderam Francisco Coelho da Silva por traduzir a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão".
Com a subida ao poder de Napoleão, na França, dá-se em Portugal ...

... O período mais negro

Em 1807 a família real foge para o Brasil e mais de 15.000 nobres seguem o mesmo exemplo. Nesse mesmo ano dá-se a 1.ª invasão francesa, comandada por Junot. O patriarca de Lisboa, Francisco de Mendonça, para serenar os ânimos do povo afirmava que Napoleão era o homem prodigioso que Deus tinha destinado para anparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos". Junot, para esconjurar a ira popular, impôs em 1808 a todos os párocos que saíssem das suas capelas com o "santíssimo sacramento" e dessem a bênção aos soldados franceses.
A segunda invasão, dá-se em 1809 por Soult. Dá-se a tragédia da Ponte das Barcas, onde morreram 20.000 pessoas afogadas no rio Douro. Devido à influência inglesa, mas contra o clero, Soult retirou-se em Maio 1809. Em 1811 dá-se a 3.ª invasão, por Massena, que entra no Alentejo. Olivença é perdida para os espanhóis, mas os franceses são vencidos e fogem, sem que primeiro causassem grandes prejuízos, muita fome e miséria.

Novas Esperanças
O Brasil proclama a sua independência em 1822, e criam-se dois partidos rivais - os absolutistas (D.Miguel) e os liberais (D.Pedro). O liberalismo extingue o Tribunal da Inquisição em 1821, e opôs-se ao regresso dos jesuítas. Em 1834, por um decreto de 30 de Maio, Joaquim António de Aguiar extingue todas as casas de quaisquer ordens religiosas - conventos, mosteiros, colégios, hospícios - e nacionalizou todos os seus bens, à excepção dos objectos sagrados de culto. Em 1841 as ordens religiosas voltam a aparecer: jesuítas, franciscanos e beneditinos. Homens de letras, como Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Eça de Queirós, manifestam o seu anti-clericalismo e responsabilizam-no por todo o atraso e miséria. D.Carlos e seu primogénito são assassinados em 1908, ficando assim aberto o caminho para a implantação da República e para a implantação do verdadeiro Evangelho de Cristo e da verdadeira Igreja.

7. A ORIGEM DO MOVIMENTO

Entre os anos de 1825 a 1830, na Irlanda e Inglaterra, mais propriamente nas cidades de Dublin, Plymouth, Bristol e londres, alguns jovens religiosos manifestavam o seu descontentamento pela falta de vida espiritual que, segundo eles, existia nas suas igrejas. Realmente, as igrejas saídas da Reforma, por aquela época estavam muito ligadas e até dominadas pelo poder constituído, cheias de ritualismo e de um formalismo sem vida.

Assim, jovens como António Norris Groves, dentista de Plymoutn, João Bellett, advogado em Dublin, João Nelson Darby, clérigo irlandês, João Pamell, que veio a ser Lord Congleton, William Stoks, Benjamim Newton, William Gladstone, mais tarde Primeiro Ministro, George Müller e Craick em Bristol, Cronin, ex-sacerdote católico, Hall Harris e Soltam, começaram pelo estudo das Escrituras em pequenos grupos, ficando impressionados com a sua importância. Foram assim descobrindo como as Igrejas do Novo Testamento se formavam e se desenvolviam. Depressa este movimento cresceu e se espalhou por toda a Europa e até pelo mundo.

Norris Groves foi o seu primeiro missionário. Em 124-1829 embarca com a sua mulher e dois filhos para Bagdade, via S.Petersburgo, na Rússia, onde trabalhou durante 20 anos. De 1872 a 1973, mais de 4.000 homens e mulheres foram separados para a Obra do Senhor em cerca de 100 países, obedecendo e dependendo inteiramente do Senhor para o seu sustento. Em 1992 calculou-se existir 1.410 missionários recomendados por assembleias de língua inglesa e servindo ao Senhor em mais de 70 países.

8. O MOVIMENTO EM PORTUGAL

Com as invasões napoleónicas, tropas inglesas vieram ajudar as mal preparadas tropas portuguesas a expulsar os invasores franceses. Muitos ingleses fixaram residência entre nós. Estes criaram entre nos as suas igrejas, as suas escolas e até os seus cemitérios.


George Borrow

Em 06-11-1835, George Borrow embarca em Londres, no navio London Merchant, com direcção a Lisboa, enviado pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, para junto de correspondentes ingleses, para averiguar as possibilidades de incrementar a circulação das Sagradas Escrituras em Portugal.

Os correspondentes ingleses eram John Wilby, comerciante em Lisboa e que possuía um depósito de Biblias (versão Pereira de Figueiredo) e Rv. Whiteley, capelão britânico na cidade do Porto, que ficaram com umas 400 Bíblias e alguns Novos Testamentos. Este servo do Senhor, além duas cidades, visitou Sintra e Évora, tendo nesta cidade oferecido uma Bíblia e 10 N.T. a Gerónimo de Azevedo. Reconhecendo as imensas capacidades que havia em Portugal, foi depois para Espanhanha, onde ali desenvolveu um promissor trabalho por longos anos.

Em 1867, James Cassels funda em Vila Nova de Gaia a Escola do Torne, logo acrescentada com o templo actual, que cremos ser a Primeira Igreja protestante em Portugal e para os portugueses. Diogo Cassels tinha nascido na Rua do Campo Alegre (Porto) tinha então 24 anos de idade e era o 1.º filho de 10 irmãos de uma família inglesa. Mais tarde fundou novas escolas e igrejas, em Gaia e Porto. A Câmara do Porto concedeu-lhe o diploma de "Benemérito da Instrução", deu o seu nome à antiga Rua do Tome, erigiu o seu busto no Jardim da Avenida e o Governo da República, mais tarde, condecorou-o com a comenda da Ordem de Cristo.

Em 1870 chega a Portugal o primeiro casal de missionários dos Irmãos a Lisboa. São eles, Ricardo e Catarina Holden. Começaram por relacionar-se com Helena Roughton, esposa dum comerciante inglês e principiam com reuniões em casas particulares. Em 1872. abrem a primeira Casa de Oração dos Irmãos. Em 1876 editam o primeiro Hinos e Cânticos, com 46 cânticos, sendo 38 hinos e 8 coros. Ricardo Holden foi chamado à presença do Senhor em 1886.

Em 1891 chega a Lisboa Stuart E. McNair, com 24 anos de idade e hospeda-se em casa de Catarina Holden e seu filho Ernesto, que neste tempo tinha apenas 11 anos. D. Catarina, com outras senhoras, dirigia reuniões de moças e crianças e visitava o Hospital Militar para evangelizar soldados doentes. Entretanto. McNair veio para Coimbra, onde residiu 3 anos, conhecendo um advogado crente, Dr. Joaquim Leite Júnior. De bicicleta, visitava as feiras e os mercados até Aveiro, onde chegou a arrendar uma pequena casa, onde passava metade de cada semana. Chegou a editar um periódico - "O Semeador" para evangelizar estudantes de Coimbra.

Outros irmãos chegaram, almas se converteram e assembleias foram-se abrindo. Hoje, temos fortes motivos de dar graças ao Senhor pelo trabalho feito, com tantas dificuldades e lutas. Convém-nos continuar, seguindo o Seu modelo e o Seu Exemplo.