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É, pois, a Constituição o Programa do Estado para a cidadania, que define os seus próprios direitos e deveres para a promoção do bem estar e da qualidade de vida dos cidadãos portugueses.
Mas também constitui o repositório dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos portugueses dentro e para a definição e exercício da cidadania.
Aliás, não há cidadania que se possa desenvolver sem a plenitude do exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos homens e das comunidades que estes integram.
Entre estes contam-se os direitos, liberdades e garantias pessoais, tais como - e exemplificando - o direito à vida e à integridade pessoal, o direito à liberdade e segurança, a liberdade de expressão e de informação, e sobretudo, porque em nosso entender constitui a expressão mais autêntica do exercício das liberdades a liberdade de consciência, religião e de culto.
No início deste ano, tendo como projecção o novo milénio ainda no seu dealbar, e agora visionando a situação portuguesa, há que repensar o exercício em Portugal da cidadania sobretudo no que concerne à liberdade religiosa.
A religião oferece à consciência de cada indivíduo a presença de um Deus Supremo, fora e acima dele mas ao mesmo tempo com ele interagindo, sempre presente, omnisciente e omnipotente que representa, afinal e na realidade concreta, o garante da liberdade de cada homem.
Para nós, e agora no plano da Mensagem de Cristo, desenvolve-se a liberdade religiosa no domínio da libertação de todas as formas de escravidão, o que diz bem do seu relevo e importância quer para o indivíduo quer para a Comunidade.
Recordemos a propósito as Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo que o Evangelho segundo São João revela de modo lapidar: Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres Evangelho de São João 8:36.
Nesta perspectiva, a cidadania e, até, o edifício do Estado de Direito passam pelo desenvolvimento de todos os direitos individuais sem excepção ou constrição de qualquer deles.
Em Portugal, porém, quer historicamente quer ainda hoje, a cidadania sofre de uma amputação ou de uma exacerbada limitação no tocante a um dos direitos fundamentais: o da liberdade religiosa.
Qualquer análise histórica e sociológica evidencia que a Sociedade portuguesa está estigmatizada por dois grandes factores neste domínio:
- Falta de liberdade e intolerância religiosas desde sempre, apenas interrompida por brevíssimo período temporal (1916-1936) e mesmo assim com fortes limitações.
- Hegemonização de uma Igreja dominante, a Igreja Católica, de braço dado com o poder político, única até 1911 e favorecida desde 1940 por uma Concordata claramente privilegiadora.
Estes dois factores deixaram na Sociedade portuguesa traços significativos de intolerância, perseguição, preconceitos e obscurantismo que nos nossos dias se revelam ainda na prática de órgãos do Estado.
Esperava-se que com a publicação da Lei de Liberdade Religiosa, todos estes factores tendessem a desaparecer e começasse a surgir à luz do dia um novo conceito de cidadania onde coubessem todos os portugueses sem excepção.
Pensava-se que com a Lei de Liberdade Religiosa desaparecesse a distinção entre cidadania de primeira, para uns com todos os direitos e benefícios - os portugueses católicos mesmo que não militantes ou até formalmente crentes - e cidadania de segunda, para os crentes das outras confissões, apesar do seu relevo histórico na Europa e no Mundo.
Porém, a publicação no decurso do ano 2001, em 22 de Junho, da Lei nº 16/2001, da Liberdade Religiosa, esteve longe de construir o novo edifício da cidadania ou se se preferir do Estado de direito para que aponta a Constituição.
É que esta Lei, ao ressalvar no seu artigo 58º a vigência da Concordata e de toda a legislação aplicável à Igreja Católica, já existente ou a construir, acabou por manter no Estado Português um duplo e equívoco conceito de cidadania em matéria de liberdade religiosa, continuando a existência de cidadãos de primeira e de segunda.
Para os primeiros, que sempre tiraram proveito da falta de liberdade religiosa, a continuação de um sistema - o da Igreja Católica - autónomo do próprio Estado em que este vai ao ponto de abdicar até da sua própria concepção e filosofia, permitindo a interpretação das normas concordatárias segundo a visão da própria Igreja Católica mesmo em aspectos atinentes em exclusivo ao Estado.
Para os segundos, que sempre sofreram e sentiram a falta de liberdade religiosa a Lei de Liberdade Religiosa e ainda com todas as limitações e constrições que dela decorrem para a plenitude da liberdade religiosa.
Em suma, dir-se-ia que uma Lei que deveria servir para uma reposição histórica de um exercício da liberdade religiosa nunca vivida em Portugal mantém a situação anterior que se queria reformar e rever, continuando uma Igreja - a Católica - com a situação privilegiada anterior.
Ainda mais, para se observar como a liberdade religiosa é o parente pobre da cidadania em Portugal: dispondo a Lei, no seu artigo 69º que no prazo de 60 dias deveria ser publicada legislação sobre o registo das pessoas colectivas religiosas e dispondo as confissões e associações religiosas existentes de determinado prazo para requerer a sua conversão em pessoa colectiva religiosa, ainda tal legislação não foi publicada não dando o Governo qualquer sinal positivo nesse sentido.
Todavia, um sinal negativo e de grande insensibilidade veio a ser dado com o cancelamento do registo das associações religiosas existentes, olvidando-se todo o cortejo lesivo daí resultante.
O panorama que fica descrito sobre a cidadania em Portugal demanda no início deste ano uma vigilância atenta de cada um de nós.
Mas sobretudo requer que no nosso conceito diário de oração e comunhão com Deus intercedamos para que os órgãos do poder político sejam divinamente sensibilizados para uma mudança efectiva da arquitectura jurídica do Estado Português, com a consagração de um conceito pleno de cidadania. Até porque, como Paulo escrevia aos crentes em Filipos Filipenses 3:20, como cidadãos do Céu, conhecemos Aquele que tem poder para dominar todas as coisas. |
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